A Menina que Via Sonhos
janeiro 30, 2010 3 Comentários
Era comum para os observadores casuais verem Julia sozinha, gesticulando para o ar como se estivesse ensaiando os movimentos de uma complexa dança. A maioria logo desviava o olhar, as vezes rindo daquela criança maluca, as vezes sem nem gastar um pensamento alem da surpresa inicial. Os poucos curiosos que demoravam seu olhar eram eventualmente percebidos por ela, que retribuía os olhares com o seu próprio, mais frio e hostil do que uma avalanche de neve. Era sempre assim. Era como ela era, embora ninguém nunca entendesse o porquê, mesmo os pouquíssimos que se esforçavam tentando.
A verdade por trás disso, como é costumeiro, era simples e fantástica demais para que sequer fosse cogitada: Julia enxergava sonhos. Ela os via como bolas de sabão, flutuando no ar, tão leves e tão frágeis que estouravam antes mesmo dela conseguir tocá-los, e isso a irritava profundamente, especialmente com as pessoas ao seu redor, que deixavam sonhos tão maravilhosos para se perderem ao vento. Essa raiva, no entanto, era mais inveja do que outra coisa, já que Julia havia perdido seus sonhos.
Ela não lembrava como nem quando isso havia acontecido, nem sequer lembrava de haver tido eles algum dia, mas Julia tinha certeza de que um dia teve sonhos. Só isso poderia explicar a sensação perda que a esmagava quando via os sonhos alheios estourando diante de seus olhos. Um dia estranhamente, uma das bolhas-sonho, que para surpresa dela não estourou, mas sim pousou gentilmente nas suas mãos.
Os que a viram naquele dia dizem que ela parecia ter pego no ar algo muito precioso e frágil, e que gentilmente aconchegou o que havia capturado para junto de si. E então caiu, vitima de um sono profundo e repentino. E todos, sem exceção, alegam que a viram brotar em sua face adormecida um sorriso como nunca viram em Julia.
Muito tempo passou e Julia ainda dorme. E sorri. E sonha.