Possessão

Por que você não me olha nos olhos, querida? Seria tão mais fácil. Mas não… Tem que fazer do jeito mais difícil.

Quanta crueldade.

Você diz que eu morri, simples assim. Eu sorrio com essa sua ingenuidade. Devo confessar que isso foi algo que sempre me encantou em você. Mas nada na vida é tão fácil, querida. E agora cá estamos nós, eu andando a sua volta enquanto você finge me ignorar com seu luto imaginário.

Mas como fomos chegar nesse ponto?

De certo não foi culpa minha. Nunca lhe cedi nada, nem sequer promessas, e ainda assim você me deu tudo de si. Seus sorrisos e caricias. Seu jardim e seus lençóis. Seu corpo e sua alma. Como eu poderia recusar? De tudo eu tomei posse. E por um tempo foi bom, não foi, querida?

Mas então o tempo, como sempre faz, passou.

E o silencio de sempre se tornou insuportável, te fazendo me querer definhado, morto, como uma sombra se esvanecendo em algum canto distante. E para quê isso tudo, querida? Apenas para uma vã tentativa de reaver para si aquilo que é minha posse. Ora, querida, como eu poderia devolver um presente tão precioso como esse?

Mas bem, eu lhe conheço o suficiente para saber quando é inútil discutir. Se você insiste tanto em minha morte, tudo bem, eu a possuo assim, como um fantasma, te observando silenciosamente enquanto você se dedica aos meus ritos fúnebres. E não tem problema se você não chorar.

Todas as suas lagrimas já me pertencem.