Paradoxo

Fernando anda sem pressa pelos corredores vazios do hospital, com a certeza que não há nenhum risco de que o encontrem. A enfermeira responsável pelo turno da madrugada ainda estará ocupada transando com um residente por mais trinta e sete minutos e vinte e três segundos. Os seguranças também não são uma preocupação, pois ainda estarão ocupados por mais vinte e dois minutos e cinquenta e quatro segundos, investigando uma de suas outras tentativas de invasão. Fernando se lembra de um filme antigo do Bill Murray, no qual ele diz algo como “Talvez deus não veja tudo. Talvez ele simplesmente esteja por ai por muito tempo.”. “Faz sentido”, ele pensa, “uma pena que com a onipotência não venha de brinde com a onisciência”.

Ele para diante de seu destino, o quarto 203, se permitindo alguns segundos de hesitação antes de entrar. Lá dentro há apenas uma cama, com uma garota dormindo sobre ela, e os vários aparelhos que a mantem viva. Fernando se aproxima e a observa, estranhando o quão pequena e frágil ela parece ser. Não era assim que ele se lembrava. Talvez porque nessa época ele ainda fosse mais baixo do que ela. Ou talvez por que a imagem que ficara nas suas memórias fosse a da garota saudável que o deixava comendo poeira nas corridas de bicicleta.

– Me desculpe, Nina. – Fala Fernando – Eu não consegui te salvar. Eu tentei. Tentei tudo. Meus cálculos diziam que era possível mudar o passado. Tinha de ser! Você pode forçar a matemática a te dizer o que você quiser, eu suponho. Pena que não da para fazer o mesmo com a realidade.

Lagrimas nos olhos de Fernando, acompanhadas por um soluçar profundo e desesperado ao qual ele se entrega.

– Não se pode mudar o passado. – Continua Fernando, ainda com a voz embargada – Merda, eu nem ao menos consegui achar um jeito de convencer a mim mesmo a vir te visitar aqui no hospital. Logo você vai morrer sem eu nunca ter tido coragem de vir me despedir. É com isso que eu tenho de viver.

– Mas Nando… – Fala Nina, com uma voz pouco acima de um sussurro, e assustando Fernando – Você veio.

Fernando sente o choro o dominar de novo, mas agora acompanhado e uma indizível sensação de alivio e alegria, e responde:

– É Nina, você tem razão.