Contando Gotas
abril 18, 2010 3 Comentários
– Uma, duas, três…
Eu conto as gotas que vão enchendo a taça devagarinho, repetindo em voz alta para não perder a conta. Mamãe chama disso de “exercício”. Diz que isso é bom pra mim, que assim eu aprendo a contar. Eu sou ruim de conta. As outras crianças sempre me chamavam de burra por causa disso. Eu sempre voltava pra casa chorando, até a mamãe chegar.
– Vinte e sete, vinte e oito, vinte e nove…
Eu lembro como as crianças eram más. Nunca me chamavam pra brincar, nunca conversavam comigo. Não. Eles só faziam me chamar de nomes, nomes feios. Corriam atrás de mim, jogando pedras, rindo. As pedras não me machucavam, mas doía. Doía muito por dentro.
– Quarenta e duas, quarenta e três, quarenta e quatro…
Mamãe diz que eles faziam isso por inveja, porque eu sou uma menina muito especial. Eu não acho. Eles faziam isso porque eu era sozinha, porque eu não tinha ninguém. Porque eu tinha medo. Mas agora mamãe tá aqui comigo. Agora são eles que tem medo.
– Por favor… Me deixa sair. Tá doendo… Eu quero ir pra casa… – Um deles fala.
Eu olho em volta para ver eles, pendurados pelos pés no teto. Mamãe diz que assim fica mais fácil pra nós, nós não precisamos sair. Ela diz que lá fora tem gente perigosa pra nós. Ela não diz, mas eu sei que foi um presente para mim. Agora eu posso machucar eles tanto quanto eles me machucaram. E isso é bom.
– Shhhhh. Fica quieto. Me fez perder a conta, agora eu vou ter que começar de novo.
Eu bebo o que eu já tinha recolhido na taça e abro outro corte nele, mas com cuidado. Mamãe diz que nós não podemos desperdiçar. Ele começa a chorar, enquanto eu recomeço a contagem.
– Uma, duas, três…