O Fim
junho 27, 2009 3 Comentários
É o fim. Não consigo raciocinar direito, há apenas a dor agora. Dor de verdade, pra valer, havia décadas que eu não sentia, tanto que até achava que já havia esquecido da sensação. Não, não, ninguém esquece essas coisas de verdade. É como andar de bicicleta. Eu me recosto na parede mais próxima e então olho para as minhas feridas, de imediato pensando como seria um belo espetáculo todo o sangue que jorraria deles caso ainda houvesse algum nas minhas veias. Eu sorrio a imaginar a cena e de algum modo isso me deixa feliz. É bom ver que mantenho alguns velhos hábitos até o fim. E então ele finalmente aparece, entrando pelo mesmo buraco na parede que eu abri usando minhas ultimas forças. A primeira vista parece um rapaz normal, daqueles que você vê aos montes andando pelos shoppings, mas ele tinha aquele olhar, algo que eu não vi desde o avô dele, eu diria. Não era coragem ou determinação, embora devo admitir que para ele ter feito o que fez tem as duas de sobra, era convicção, era uma certeza de que estava fazendo a coisa certa, não por alguma lei, mandado divino ou baboseira do tipo. Ele fazia isso por ele mesmo. O avô dele tinha esse mesmo olhar quando matou Caroline. Ah, doce Caroline. Linda, mas uma cabeça de vento, como era comum nas moças de família daquele tempo. Gostaria de dizer que eu trouxe ela para essa vida porque a amava e queria compartilhar com ela a eternidade, mas me conhecendo bem eu sei que foi só pela diversão de corromper uma moça de família. E quanta diversão nós tivemos até aquela noite. Tínhamos invadido uma casa e pendurado a dona feito um daqueles mostruários de açougue enquanto bebíamos dos pulsos cortados dela. Eu sai um pouco, para me lavar e pensar no que fazer com o filho dela que nós deixamos amarrado na cozinha, mas quando eu voltei Caroline já estava morta e havia um homem com uma faca arfando sobre seu cadáver. Quando ele me percebeu não recuou, apenas me encarou com aquele olhar, aquela convicção que eu só encontraria de novo hoje.
– Nada mal, rapaz. – Eu falo – Bem melhor que o covarde do seu pai ou o idiota do seu irmão. Nossa, aquele ali gritou feito uma moça quando eu acabei com ele…
Ele não reage, apenas se aproxima impassível com sua escopeta sempre apontada para mim. Rapaz esperto. Ele se aproximando assim até parece o próprio anjo da morte, vindo me cobrar por todos esses séculos que eu o enganei.
– Você assombrou três gerações da minha família. – Ele fala encostando o cano ainda quente da arma na minha cabeça – Você podia ter matado meu avô e eu pai e ter ido embora, mas invés disso deixou ele viver e acabou com tudo que ele amava, para depois fazer isso comigo e com meu irmão. Por quê?
Eu penso antes de responder, vendo nele a concretização da esperança que me veio quando eu vi o homem vitorioso sobre o cadáver da minha doce Caroline.Não, não foi por vingança que fiz isso. Simples vingança não valia todo esse trabalho. Eu fiz porque achei que ele poderia me deter. Com cada um deles foi assim. A eternidade sempre foi um fardo que eu não suporto, mas do qual nunca pude me desfazer. Me tornei um monstro e precisava ser detido e agora finalmente meu nemesis cumpre seu papel.
– Porque eu podia. – Eu falo e então sorrio de satisfação.
Ele continua impassível, assim como deve ser, e engatilha a arma para o tiro final. Da minha parte eu continuo sorrindo.