Retorno

Ele revisa sua obra, cuidadosamente atento a cada mínimo detalhe. Sua expressão demonstrava seu cansaço, mas também um imenso alivio.

– Interessante. Mas o você pretende com isso, camarada? – Soa uma voz pro cima de seus ombros que lhe é familiar.

Ele não se vira para encarar o olhar curioso do outro, estando ainda muito compenetrado em sua preciosa obra para engajar-se em uma conversa de verdade.

– Um retorno. Uma volta atrás. – Ele explica – E então naquela noite de sexta-feira eu teria dito adeus para ela.

– Ora, ora, então temos aqui um efeito borboleta particular. – O outro comenta – Mas você deveria tomar cuidado, camarada. Nunca se sabe o que pode acontecer quando se interfere com o fluxo das cadeias do caos.

– Vou arriscar. – Responde ele – Prefiro essa incerteza. Ela é que a constância do agora. O presente que conheço é perturbador. Talvez a incerteza me mostre algo mais perturbador, mas ao menos é uma esperança.

– Esqueça a esperança. – O outro retruca, com um largo e levemente perturbador sorriso – Ela é uma amante muito traiçoeira, camarada.

– Que seja. Já está feito. – Afirma ele.

– Então só resta esperar o que seu novo presente bata a sua porta. – Diz o outro.

Ouvem-se batidas na porta. Ele se levanta e vai calmamente atendê-la, mas ao encostar na maçaneta para, hesitante. Ele então se afasta, respira fundo e diz:

– Entre, por favor.

Sob o Mesmo Céu

“As vezes eu olho pro céu procurando uma resposta. Na maioria das vezes tudo que eu vejo é distancia. Mas de vez em quando eu percebo o horizonte e isso me conforta. Porque de lá para frente é tudo novo. É o infinito.”

Essas palavras dançam na tela do meu computador, num efeito que só um monitor velho que está para quebrar consegue proporcionar, enquanto parecem se imprimir na minha mente como se estivessem sendo marcadas por um ferro em brasa. É engraçado como o arrependimento acaba se manifestando. Ou talvez seja essa época da vida, em que o mundo parece ser tão pequeno. Não, pequeno não é a palavra certa. Pouco. O mundo parece ser muito, muito pouco. Sempre as mesmas pessoas, os mesmos lugares, numa vida que se resume a seguir um caminho seguro, sempre em frente. É algo tão limitado que é fácil se sentir deslocado, como se não fosse parte disso. É tão comum que se tornou a nova inclusão, a “tristeza” generalizada que todos compartilham. Não os culpo. É muito bom se sentir como parte de algo, afinal. A culpa é minha de não ter percebido que não era só isso.

Não que parecesse algo fora do comum. Bem, não do comum no sentido de banal pelo menos. Eram conversas estranhas, mas o que não é estranho quando seu mundo é tão limitado? Não, nada de anormal. Tudo muito típico e previsível, até. Até um telefonema mudar tudo.

Dizem que a informação tem o poder de mudar o mundo, mesmo sendo uma vinda por um telefonema no meio da noite, carregada por uma voz familiar. Horror, tragédia. Morte. E de repente seu mundo que é tão pouco acaba percebendo seu horizonte. E o infinito depois dele. Não tinha como prever, nem sequer cogitar. Minha visão era tão limitada quanto meu mundo, afinal.

Não mais. Agora, dos destroços do meu mundo abalado eu contemplo o infinito. E cada vez que eu contemplo as palavras, as malditas palavras, eu sinto que o meu lugar não é aqui. E me assusto em perceber como o infinito parece tão confortável.