Ouço algo lá fora, inteligível e distante.
Por que lá fora parece tão longe?
E onde será aqui?
Há uma sensação estranha aqui. Um calor úmido tão familiar quase como uma reminiscência da infância, como se fosse uma volta ao útero. Quase consigo ouvir as batidas do coração de minha mãe.
O barulho continua.
Existem outros sons também. Água. Ondas. Seria o mar? Talvez a chuva carregada por rajadas de vento.
Eu lembro da chuva. Meu primeiro beijo. Chovia tanto e o rosto dela estava gelado, mas os lábios ainda tão quentes. Tinha um gosto doce, distinto e um cheiro absolutamente inebriante. Minhas mãos deslizavam o mais delicadamente o possível pelo seu rosto de pele macia enquanto as mãos dela afagavam meus cachos com a gana de uma condenada.
Minha mãe detestava a chuva. Vejo seu rosto cinzento em um acesso de tosse. Do útero sinto as batidas do seu coração.
Ela nunca ia me buscar quando chovia. Lembro do meu pai acenando de leve. Um sorriso de cumplicidade no rosto. Uma conversa um tanto constrangedora, mas curta. Ele não disse muito. Nunca dizia.
Até o fim.
Há um quê de desespero nesse som estranho.
Me lembra o Tim. Meu cachorro. Um vira latas esperto de pelo alaranjado. Gostava dele. Morreu desesperado sob a roda de um carro.
Foi quando eu conheci a morte.
Sinto falta de ter um cachorro. Ela não gosta então eu faço uma concessão. Também não gosto dos gatos que ela tanto gosta, então criamos um peixinho juntos.
“Skiter é um bom nome, admita.”
Compramos perto da casa de praia. Talvez sejam ondas afinal. Ela sempre gostou do mar. Sorria como uma criança. As vezes eu até me deixava levar. Mas a água era sempre tão fria.
Está frio aqui.
O barulho lembra a voz dela.
Minha mãe sempre elogiou a voz dela, desde que a conheceu. Sempre achei que elas não fossem gostar uma da outra, antes sempre havia sido assim. Por isso eu gostava tanto dos dias de chuva. Minha mãe nunca atrapalhava nos dias de chuva.
Lembro da primeira vez com ela. Foi algo diferente do até então. Intenso. Mas tomando cuidado com o barulho para não acordar meus pais. Por isso eu gostava tanto da casa de praia. Ela sempre dava um sorriso sacana quando eu a chamava para lá.
Definitivamente é a voz dela.
Lá fora parece mais próximo agora.
Tão frio.
Definitivamente é a chuva.
(Acorda, por favor! Você tem que acordar! Vamos, levanta!)
Há um leve calor atingindo meu rosto. Gosto salgado e o cheiro de lagrimas. Elas tem cheiro, sabia? Mas eu nunca gostei delas. Sempre me doeu ver ela chorando.
Ela chora agora.
Vejo o seu rosto acima. Parece tão longe. Ainda assim alcanço com a mão. Tão quente. Um afago de leve.
“Não gosto de te ver assim.”
Acho que é culpa minha.
“Desculpa.”