O menino anda cabisbaixo ao lado de seu pai enquanto a chuva cai pesadamente sobre eles. Seu cabelo molhado cai deselegantemente sobre seu rosto, o que o faz sentir um pouco aliviado, pois assim esconde os hematomas que estavam espalhados por sua face. O pai, por sua vez, o observava enquanto caminhava ao seu lado, quase como se o estivesse estudando, com uma expressão que dizia que ele tinha algo para dizer, mas que ainda não havia decidido como começar a conversa. O pai então de repente para e, sorrindo para si mesmo, abre o guarda-chuva.
– Sempre esqueço de usar essa coisa… Vem, filhote. – Ele fala puxando seu filho para baixo do guarda-chuva – Sua mãe vai ficar uma fera se eu te deixar chegar em casa todo ensopado. E você aproveita e me conta o eu aconteceu.
– Eu… Briguei, pai. – Fala o menino, cabisbaixo, com o gosto de sangue amargando cada palavra.
– Eu percebi, porque bem, isso está na cara. Literalmente. – Responde o pai, deixando escapar um risinho pela observação – O que eu quero saber é sobre os eventos que levaram a tal briga.
– Não foi nada. – Insiste o menino, ainda cabisbaixo – Eu só briguei. Nada demais.
– Então não teve nada a ver com aquele menino que você salvou de levar uma surra? Como era o nome dele? Paulo, acho. – Pergunta o pai.
O menino então olha para seu pai, que por sua vez o observa novamente com um olhar de como se o estivesse estudando, mas dessa vez esse olhar é acompanhado por uma expressão tristonha.
– É Pablo, eu acho. – Responde o menino, dessa vez olhando nos olhos do pai – Não conheço ele direito.
– Então nem amigo dele você é… – Continua o pai, sua expressão ainda mais triste.
– Não. Mas eu não podia… – Fala o menino, tentando se articular em uma explosão de gestos.
– Não podia deixar aqueles três baterem nele daquele jeito. – Completa o pai – Não é mesmo?
– Como você soube? – Pergunta o menino.
– Aquela ruivinha amiga sua. – Responde o pai, com um risinho que ele sabia que o filho só entenderia alguns anos mais tarde – E não fique irritado com ela, porque ela só me contou para te livrar de alguma encrenca.
O dois param em um cruzamento, esperando o sinal abrir, um de pé do lado do outro mas em silencio e com olhares distantes, perdidos em seus pensamentos.
– Desculpa pai. – Fala o menino, novamente olhando para o chão.
– Não. – Fala o pai – Não precisa se desculpar. Você não fez nada de errado, filhote. Na verdade você fez o certo. E esse é que é o problema.
– Eu não entendo… – Fala o menino, olhando confuso para o pai, que por sua vez olhava para o horizonte.
– Você fez o que era certo, mesmo tendo que partir pra cima de três moleques maiores que você. – Continua o pai – Então é a primeira vez que você faz esse tipo de coisa completamente idiota simplesmente porque era o certo a se fazer. Não sei se foi porque eu acabei te criando bem demais, mas você é assim mesmo. Você é uma pessoa boa.
– Você fala isso como se fosse ruim, pai… – Fala o menino, preocupado com o tom do pai.
– Infelizmente é, filhote. – Fala o pai se abaixando para olhar nos olhos de seu filho – Porque nesse mundo isso só vai te trazer problemas. Muitas vezes você vai se dar mal, como hoje, ou pior, muitas vezes você não vai conseguir fazer diferença alguma. Você vai sofrer muito, filhote, e não há nada que ninguém possa fazer.
O menino olha longamente nos olhos de seu pai e fica em silencio, como que digerindo as palavras ditas por ele, e então sorri.
– Mas as vezes eu vou fazer a diferença. – Fala o menino sorrindo – Pra mim já está bom.
O pai olha para seu filho, ainda sorrindo com o rosto cheio de hematomas, e mostra uma expressão que mistura orgulho e tristeza. Seu filho seria um grande homem e ele gostava de pensar que tinha algo a ver com isso.
– Vamos pra casa, filhote. – Ele finalmente fala.