Montecristo

– A comida aqui é ótima. – Eu falo, apontando com um gesto vago – Especialmente os frios. É a especialidade daqui do Montecristo. Vou pedir uma tabua de frios e um bom vinho tinto para acompanhar, se não se importa.

– Não, não. – Ela me responde, com um misto de desinteresse e apreensão.

É claro que ela não está interessada na comida. Mesmo se eu não soubesse a razão, isso estaria evidente na sua postura tensa e gestos ansiosos. Eu tenho que me esforçar monumentalmente para segurar o riso. Ainda não e a hora.

– Eu sei que é difícil para você fazer isso por mim, – Ela fala, se esforçando para engolir o orgulho – mas eu queria agradecer…

– Não. – Eu respondo.

– Eu insisto. – Ela continua – Você não tinha obrigação nenhuma comigo e…

– Você não entendeu, chuchu. – Eu a interrompo novamente, dessa vez deixando meu sorriso satisfeito se revelar lentamente – Eu disse não para o que você pediu.

– Como assim? – Ela me pergunta, incrédula – Não pode! Então por que você me convidou para vir aqui hoje?

– Posso, tanto que é exatamente o que estou fazendo. – Eu respondo, agora com um sorriso de satisfação plena atravessando meu rosto. Uma pena que o vinho ainda não chegou. Seria um acompanhamento perfeito – Quanto a sua pergunta eu tenho duas razões. A primeira foi para te dar essa falsa esperança de que a despeito de tudo eu iria te ajudar. E a segunda, e muito mais importante, foi para que eu pudesse ver essa sua expressão quando eu dissesse não.

– Não, não pode! – Ela fala quase sem conseguir articular as palavras, tomada pelo desespero – Se você não fizer isso eu vou…

– Eu sei. Lindamente. – Eu continuo, cada vez mais contente – Meus pêsames. Mas fique tranqüila que eu mandarei uma coroa de flores com um cartão bem bonito.

A expressão dela é tomada pela raiva enquanto ela se levanta para me dar um tapa. Eu seguro a mão dela com força, não forte o suficiente para machucar, só para mostrar que é inútil. Ela então se solta de mim e vai embora a beira das lagrimas, provavelmente porque não quer me dar o gostinho de ver ela chorar. Não importa.

– Aqui está seu vinho, senhor. – O garçom diz, me trazendo de volta a realidade – O senhor deseja que eu abra agora ou prefere esperar o prato?

– Agora. – Eu respondo, com a satisfação ainda impressa na minha face – Que o meu prato frio já foi servido.

Memórias

“Tic, tac, tic, tac, tic, tac…”, ela marca o tempo com um ar divertido, olhando para mim com um doce sorriso nos lábios. Eu lembro que ela sorriu desse jeito na primeira vez que eu dei flores para ela. “Que divertido.”, ela disse na ocasião e eu nunca entendi direito o sentido dessas palavras. Talvez fosse por hoje. Talvez isso tudo já estivesse planejado. Não sei, mas agora ela parece estar se divertido. Há alguma razão? Será que foi algo que eu fiz? Não consigo pensar em nada. Há apenas a dor, se espalhando pela minha mente, por tudo, como se fosse tinta derramada na água. “Deixe de coisa, rapaz. É claro que dói, a vida é assim. Quando parar de doer… Ai sim é que você deveria se preocupar.”. Meu pai me disse isso quando cuidava do meu braço quebrado e eu chorava desconsoladamente. Desde que eu era novo ele costumava conversar comigo sobre vida e morte da forma mais natural do mundo. “Não adianta ter medo.”, ele sempre dizia. Engraçado lembrar disso agora. Eu decido tentar me levantar, mas ao perceber isso ela gentilmente me empurra de volta. “Shhhhhhh, shhhhhh… Para quê isso tudo?”, ela pergunta enquanto acaricia meu rosto. Nunca tinha reparado como as mãos dela eram quentes. “O que é que você tem que vale tanto esforço, hein? Do que vai te adiantar sofrer tanto?”. Eu me esforço para pensar em algo. Tem que haver algo. Mas não vem nada. Nada. “Isso, bom garoto. Só desista, vai ser mais fácil assim.”, ela diz. Eu aceito. No fim das contas é razoável. Ela percebe a minha decisão e volta a sorrir daquele jeito, se divertindo enquanto marca o tempo. “Tic, tac, tic, tac, tic…”.

Estranho. Não dói mais.