Ousadia

Cada vez que Gustavo tentava prestar atenção na conversa em que seus companheiros de mesa estavam alegremente engajados ele pensava que definitivamente havia algum problema serio com o mundo. Essa conclusão é a única coisa que em sua mente consegue explicar o fato de tantas pessoas passarem quase uma hora discutindo os méritos artísticos e a “mensagem” passada por um quadrado preto desenhado no meio de uma tela branca. Amaldiçoava mentalmente sua ficante por tê-lo arrastado para essa mostra de “arte” moderna. Normalmente Gustavo inventaria alguma boa desculpa, especialmente considerando que hoje é noite de futebol, mas a promessa de uma boa noite de sexo por ter agradado ela acabou por convencê-lo a ir junto. “Isso que dá pensar com a cabeça de baixo.”, pensa Gustavo ao vê-la com os olhos brilhando com admiração, conversando animadamente sobre a angustia existencial do artista. Com certeza a sessão de sexo estava cancelada, considerando que ela iria falar animada sobre aquilo a noite toda. Ao menos a bebida era muito boa.

– E você Gustavo, o que acha? – Ela pergunta, e de repente toda a mesa volta a atenção para ele.

Gustavo se vê agora entre duas opções: Ou diz alguma frase aleatória sobre o grande talento do artista, ou fala a verdade. “Ah, foda-se a diplomacia.”, ele pensa, “Ta na hora de me divertir um pouco nessa noite.”.

– Olha, pra mim isso é um quadrado preto desenhado em uma tela, ou seja, um desperdício de uma tela perfeitamente boa que poderia ser usada para algum desenho bonito. – Responde Gustavo, se divertindo muito com os olhares de ultraje que os outros o dirigiam.

– Você não entendo. – Fala um dos outros com um risinho afetado – O que está nessa tela é a ousadia do artista desafiando os conceitos tradicionais e castradores da arte…

– Não. Ousadia é comer mulher de delegado. Isso ai é um trabalho de geometria do maternal. – Fala Gustavo antes de beber mais um gole e se levantar – Agora, se me dão licença, vou ali no bar procurar alguma televisão ligada, para curtir o segundo tempo.