Rosa

A muito, muito tempo atrás, quando a magia ainda era verdade e as lendas caminhavam pelo mundo, um rapaz vivia humildemente como pescador, apenas mais um entre tantos que ganhavam sua vida nos inconstantes braços do mar. Até o dia em que ele a conheceu no mercado do porto. Quando seus olhares se cruzaram, nasceu um amor tão forte que só se acreditava existir nas canções e ambos souberam que pertenceriam um ao outro por toda a vida.

Ela, no entanto, era filha de um famoso artesão, cujas obras embelezavam os mais ricos palácios reais e catedrais. “O que um simples pescador poderia oferecer a minha filha?”, perguntou o pai ao rapaz. “O que ela desejar, senhor. Meu amor por ela é tão grande que eu roubaria a Lua dos deuses do céu como um presente.”. “Não precisará enfurecer os deuses. Basta que me traga o tesouro de maior beleza que existe neste mundo e eu concederei a mão de minha filha.”.

No dia após a conversa com o artesão, o rapaz partiu em uma jornada, buscando o tesouro que asseguraria seu amor. Ela o acompanhou até os portões da cidade, disse “Não importa o que aconteça, meu coração já lhe pertence.” e entregou para ele uma belíssima rosa feita de vidro “Esta é a obra prima de meu pai, feita para mim no dia do meu nascimento. Ela agora é sua por direito.”. Então ele partiu.

Durante um ano ela esperou e, embora a tristeza marcasse seu olhar, a esperança não a deixava definhar. Ao final desse tempo o rapaz retornou, esfarrapado e quase morto, mas com um sorriso de satisfação no rosto. “Então, pescador, qual o tesouro que você trouxe para me mostrar?” perguntou o artesão, quando eles se reencontraram. “Primeiro, busquei esta perola negra, o mais belo tesouro do mar.” O rapaz diz mostrando uma perfeita perola negra do tamanho de um punho. “Também trouxe, esta flor, a mais bela de todas as criações da natureza.”, ele diz, mostrando uma linda flor em uma redoma de cristal. “Mas no fim percebi que o que há de mais belo no mundo está aqui.”, ele diz, passando para ela um simples espelho de cobre, onde sua amada pode ver seu reflexo. Depois disso o artesão o concedeu a mão de sua filha. Os dois se casaram e então foram viver em uma simples, mas belas casa a beira mar.

Se a história acabasse aqui, poderíamos dizer que eles foram felizes para sempre. Mas não foi esse o destino que os deuses reservou para eles. Após poucos anos de alegria ela caiu doente e não havia nada que os sábios pudessem fazer. Desesperado, o pescador buscou ajuda em uma ilha distante, habitada por uma bruxa, famosa por realizar milagres com as artes negras. “Eu posso lhe ajudar. Mas haverá um preço.”, disse a bruxa, “Para salvar uma vida outra deve ser sacrificada. Assim o preço a pagar é tudo aquilo que faz sua vida ser o que é: suas memorias.”. O rapaz concordou e o pacto foi selado. Após o preço ser pago a bruxa sorriu malignamente para o rapaz e disse “Lhe tirei sua memoria, mas não seu amor. Agora viva com a certeza de que sua amada está salva, mas você nunca a encontrará.”.

Após isso o confuso rapaz viajou sem rumo por anos a fio, conhecendo reis e lutando contra feiticeiros, descobrindo maravilhas que poucos homens mortais tiveram a chance de ver. Mas nada disso o deixava satisfeito, pois havia um sentimento onipresente de perda e saudade que ele sentia, especialmente quando contemplava a belíssima rosa de vidro que carregava consigo. Ele sabia que sua amada estava perdida pelo mundo e a buscaria para sempre.

Um dia o homem chegou a uma grande cidade portuária e encontrou uma cabana abandonada a beira mar. La dentro havia uma mulher, morta a pouco tempo, com um bilhete onde estava escrito “Meu amor se foi. De que vale a vida sem ele ao meu lado? Busco conforto no abraço frio da morte, onde sei que nos reencontraremos.”. Sem entender bem o motivo, o viajante deixou com ela a rosa de vidro e então partiu em busca de seu amor perdido.